24/10/2011

A Vida de um tal Ferreiro

Silvio Marques
Certo dia recebi uma mensagem via e-mail, cuja mensagem expunha uma situação vivenciada por um certo ferreiro. Em linhas gerais a questão era a seguinte: (transcrição)
       
Certo ferreiro, após uma juventude cheia de excessos, resolveu entregar a sua alma para Deus.
Passou a trabalhar com dedicação e praticando a caridade. Mas, apesar de toda tal dedicação empreendida, nada parecia dar certo na sua vida. Pelo contrario, seus problemas e dividas só acumulavam cada vez mais.
Um belo dia, um amigo que se compadecia de sua situação, comentou:
     ____ É realmente estranho que, justamente depois que você resolveu se tornar um homem temente a Deus, sua vida começou a piorar! Não desejo enfraquecer a sua fé, mas, apesar de toda a sua “crença no mundo espiritual”, nada tem melhorado!
        Então o ferreiro respondeu:
                  ____ Eu recebo nesta oficina o aço ainda não trabalhado, e preciso transformá-lo em espadas! Você sabe como isto é feito?____ e explicou para o amigo:
       ____ Primeiro eu aqueço o aço num calor infernal até que fique vermelho (incandescente)! Em seguida, sem piedade, dou-lhe golpes fortes com marreta até que a peça toma a forma desejada. Daí, mergulho-a em água fria enquanto a peça estala e grita por causa da súbita mudança de temperatura! Repito este processo varias vezes até conseguir uma espada perfeita!____ e continuou:
       ____ As vezes a peça não agüenta este processo, não conseguindo se transformar numa boa lamina! Então, eu simplesmente jogo fora no ferro velho!____ e encerrando, disse:
             ____ Sei que Deus esta me colocando no fogo das aflições! Tenho aceitado as marteladas que a vida me dá! Mas, a única coisa que peço é: “Meu Deus, não desista até que eu consiga tomar a forma que o senhor espera de mim! Tente o quanto quiser, mas jamais me coloque no ferro velho das almas”!
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Seria um belo enredo para filmes e novelas. Emociona, cativa a atenção, pois faz muito sentido para as pessoas que tem este conceito de Deus. Como se Ele fosse um exímio produtor de almas manufaturadas.
Nós não somos como o aço, que, após um rigoroso processo de sacrifícios iremos nos transformar em magníficas espadas. Nós somos a própria Imagem e Semelhança do Divino. Esta é que é a nossa Magnífica “forma”, desde o principio.
Nesta historinha é dito que o ferreiro “resolveu entregar a sua alma para Deus”. Entretanto, para desmistificar estas coisas, é bom lembrar que um individuo só pode entregar, algo que ele possa se desfazer ou que tenha em abundancia. Além disto, é preciso que haja alguém que possa recebê-lo. A nossa alma não é algo que possamos entregar, porque “ela” não nos pertence, e nem pertence a ninguém. Na verdade nós somos a própria alma a qual nos referimos. Ninguém tem uma alma alem de si mesmo. E Deus não é alguém que possa recebê-la. Verdadeiramente a minha alma (que sou o eu) e Deus somos uma só existência. Se a expressão “entregar a alma para Deus” significa entrar no Caminho de Deus, voltar-se para Deus, agir com sentimento de Deus, o propósito estará correto. Mas, não se anule.
Deus não “forja” a forma de ninguém. Deus não bate (dá marteladas) em ninguém para que tome forma alguma, ou novo caminho. As aflições e desgraças daquele ferreiro não eram sinas da presença de Deus forjando o seu destino; ao contrario, estes são claríssimos sinais da ausência D’Ele. Porisso a vida dele só piorou.
A vida dele só piorou, porque ele teve como objetivo principal a melhora de sua própria condição de vida. Foi com esta intenção que ele passou a agir de forma digna e prestativa. E o nome disto não é amor, é comercio.
A “ordem”: dá e receberas, não é uma ação comercial. A ordem não é dá para receber. O receber é uma conseqüência implícita do dar: se semeia, colhe; se der amor, recebera amor e até muito mais. Entretanto, se der amor por necessidade de recebê-lo, estará, antes de tudo, semeando miséria, carência.
Voltando a historia do ferreiro: Nunca pense que Deus possa abandonar uma alma no ferro velho. A criação divina não é um experimento. Não existem sobras, nem aparas, nem retalhos ou almas descartáveis.
Se você “der” a sua alma para Deus você só estará se anulando. Ao invés disso, para ser mais substancioso e aproveitável “pegue a alma de Deus”, viva você a Alma divina.
O ferreiro já havia despertado para uma vida magnífica quando passou a viver dignamente, conforme narrado. Ele só não viu isso porque estava esperando pelo “pagamento” das suas boas ações. E, quem sabe, deve estar até hoje sofrendo as aflições, esperando resignadamente (e eu digo: equivocadamente) pela compensação, pelo “pagamento”. O pagamento jamais virá depois; como num pacote; como numa caixa; como num breve momento ou determinado dia. Quando a “conversão” é sincera, as ações de amor já têm cheiro de Céu. O “pagamento” é a vista; no ato das ações de Amor sentimos o “Cheiro do Céu”. É por isto que Jesus disse que o Paraíso esta próximo.

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