Silvio Marques
Muitas crendices das gerações, minha, dos meus pais e demais antepassados, de certa forma imbecilizaram parte do nosso raciocínio e nos tolheram, em muito, a liberdade e a nossa essencial potencialidade. Deixaram-nos marcas na infância que possivelmente perduram ainda nos dias de hoje, e talvez fiquem para sempre.
Com o objetivo de que não ficássemos descalços, por exemplo, lembro-me de que diziam com muita naturalidade que o “bicho de pé” entraria pelos nossos pés, iria subir e ficar andando lá dentro da gente. Sentia tanto pavor, que toda a vez que me lembrava disso sentia uma espécie de coceira por dentro. Era o forte poder da palavra agindo na minha mente.
Não é que hoje as crianças sejam menos “babacas” do que eu fui outrora, e não mais estejam suscetíveis a isto. Acontece que nós, seus pais, já temos consciência dos efeitos do poder do que se fala e temos tido mais cuidado com o seu uso.
Para prevenir a saída das crianças para a rua, principalmente à noite; ato que tirava o sossego dos pais e avós, eles anunciavam horrendas criaturas imaginárias e as “colocavam” de plantão nos portões das nossas casas. Nos aprisionavam assim, dentro do nosso próprio medo.
Levei anos para encontrar um meio de me livrar da “mula sem cabeça”. Certo dia o meu medo deu trégua e tive a coragem de pensar nela (na mula). Descobri, na minha santa e pura ingenuidade que: “... se a mula não tem cabeça, ela não tem olhos para me ver. Então, se ela corresse atrás de mim, bastaria eu correr e virar na esquina que ela iria passar direto”. É claro que esta conclusão me trouxe muito conforto. Em compensação, acho que até hoje meu inconsciente luta sutilmente para se livrar do “boi da cara preta”.
Não estou de forma alguma criticando os nossos pais. Atrás desta ação havia um imenso amor e sentimento de proteção. Não obstante, por estes justificáveis equívocos, muitos dos nossos medos atuais são reflexos desses “monstrinhos” que estão registrados no nosso inconsciente. Muitos deles (nossos medos) são descendentes da mula sem cabeça, do boi da cara preta e outros mais. Felizmente o “saci pererê e a cuca” foram desmascarados pelas “Aventuras do Sitio do Pica Pau Amarelo” veiculadas na televisão. A propósito, somente através deste programa é que tomei conhecimento de que a “cuca” era um jacaré. Eu pensava que ela fosse um imenso dragão. Naturalmente. Quanto maior o medo, maior é o bicho papão.
Quando eu ouvia a minha mãe ninar os meus irmãozinhos mais novos cantando: “nãna, neném, que a cuca vem pegar...”, eu pensava desconfiado: Se fosse você, neném, eu ficava bem acordado!
Entretanto, penso que é muito mais fácil desmascararmos estes maléficos bichos papões, do que nos livrarmos de certas sentenças dos nossos pais, mestres e outros; quando afirmam, por exemplo: “Você ficou reprovado porque é burro!” “Você não conseguiu vencer porque é fraco!” Este “dragão”, com certeza, é muito mais difícil vencer.
Aconselho, portanto, aos Pais:
Cuidado! Hoje não se acreditam mais em bichos papões! Mas suas palavras podem ainda se tornar um imenso dragão na vida de seus filhos!
OOOOOO
PS : Se dissermos aos nossos filhos, servidores, ou outra pessoa qualquer que ele é um burro; estamos chamando Deus de burro; porque seria Ele quem teria feito uma pessoa desprovida de capacidade. Na verdade, somos todos Filhos de Deus com infinita capacidade.
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